18 dezembro 2008

Tesouros Particulares




Passei o fim de semana na praia. Eu, meu pai, minha mãe e a vitrolinha. Fizemos uma viagem em velhos vinis e antigas lembranças. Os vinis em perfeito estado... Assim como todas as lembranças de uma história incrível. Descobri no 'seo' Osmar um personagem e tanto para uma das várias histórias que contamos ao longo da nossa vida...
"Eu deixava de empilhar madeira e corria para a estação de trem onde eu passava o resto do dia praticando telégrafo. Meu pai (o meu avô, no caso) dizia que empilhar madeira não era profissão. O telégrafo seria o meu ganha pão."
Meu pai recebeu o primeiro trem sozinho, na estação de Verísssimo, interior de Goiás, aos 14 anos de idade. Seu primeiro trabalho como rádio telegrafista foi encomendar duas marmitas para os passageiros famintos devido a longa viagem.
"Eu não consegui entender direito se eram duas ou vinte marmitas... Achei melhor pedir apenas duas e ficar torcendo para não errar. Foi um alívio quando o maquinista desceu e me perguntou onde estavam AS DUAS marmitas reservadas pelo telégrafo..."
'Seo' Osmar tentou me ensinar a profissão. Adorava brincar com o bip bip do telégrafo. Não aprendi, mas herdei dele a vontade de anotar recados... receber mensagens...interpretar e depois contar histórias.
Hoje, com a permissão dele, retransmito a vocês essa mensagem.

Uma música que me lembra esse momento tão especial:
Cascatinha e Inhana.

11 dezembro 2008

Trilogia: Silêncio, Espaço e Espera – Parte I

Nunca dei tanto valor ao silêncio.
A um pequeno instante de silêncio. Como se o mundo estivesse reservado para mim.
Só para mim.
Sem que ninguém invadisse a minha privacidade. Sem que o som de ninguém invadisse a minha privacidade. Sem que a música fosse abruptamente interrompida...
Nunca dei tanto valor ao silêncio.
Quando me deito e quando me levanto.
Acordei querendo o direito de escolher o que ouvir e quando ouvir.
Me retirar de cena na hora em que não quiser mais fazer parte desse espetáculo.
Não quero ouvir o som dos aplausos fora de hora. Os murmúrios indigestos da platéia.
Acordei com todos os sons me torturando... Lentamente. Como têm sido nas últimas semanas. O interessante é que nunca tinha reparado na riqueza dos sons. Dos ruídos. Que entram e saem sem pedir licença. Invasores. De corpos e de almas.
A festa de confraternização.
Felicidade que me afeta.
O barulho dos pratos.
Fartura que me irrita.
Os motores desregulados.
Irresponsabilidade que me desafia.
O sobe e desce numa cidade que nunca dorme.
Nunca dorme.
Nunca dorme.
Nunca dorme.
Ou dorme muito pouco.
Estou com medo dos barulhos que têm invadido a minha vida.
Nunca me senti tão barulhento. Dentro e fora.
Ônibus na sala de casa.
Pensamentos barulhentos.
Obras do metrô.
Experiências barulhentas.
O salto agulha na escadaria.
Sentimentos barulhentos.
Hoje, os meus passos foram guiados pelos meus ouvidos. Em busca do silêncio.
Entrei numa Catedral.
Nem as grossas paredes de tijolo e concreto me livraram do barulho da cidade. Eu estava barulhento por dentro. Aos poucos a fortaleza neoclássica me acolheu.
Os vitrais... A pouca luz... O piso antigo... Os lustres imponentes...
Aos poucos fui descobrindo um pouco do silêncio.
Até que um som chamou a minha atenção...
Um murmúrio... Alguém atrás de mim rezava com tanta força... Com tanta fé... Finalmente um som que me fez bem. Não conseguia entender o que aquela mulher dizia, mesmo assim peguei carona nos seus sons. Tirei meus fones de ouvido. E me entreguei aquele ruído... Não contive a emoção.
Não quis olhar para trás. Não queria uma imagem. Queria apenas o som daquele momento. Oramos juntos. Em silêncio. Com a mesma força. Pedindo um pouco de sossego para os nossos corpos.
Nunca dei tanto valor ao silêncio.
Nunca dei tanto valor ao meu silêncio. As horas que desperdicei falando o que não devia. Ao tempo que desperdicei criando barulhos que não merecia. Às vezes que submeti todo o meu corpo a ruídos que não suportaria.
O grito da criança no colo da mãe.
Solidão barulhenta.
O ranger dos trilhos.
Ansiedade barulhenta.
A correria do executivo.
Congestionamento humano.
E o meu ouvido não pára de funcionar.
Buzinas. Chamados. Murmúrios. Passos. Apitos. Sirenes.
Dúvida. Lamento. Esperança. Saudade. Orgulho. Inveja. Raiva. Carência. Paciência.
Muito ruído de uma vez só.
Confesso, não resisti e olhei para trás.
Era uma senhora...
Negra...
cabelos brancos...
Mãos juntas, frente ao rosto.
Olhos cerrados.
Pele enrugada...
Ela estava de joelhos.
Tranqüila e silenciosa...

09 dezembro 2008

Receita de uma confusão...





01 XÍCARA DE PASSADO.

(Ainda fresco. Sempre olhe a data de validade. Passado é fácil de estragar. E aí o cheiro não é nada bom. Passado bom para fazer uma ótima confusão é aquele fresquinho.)

01 XÍCARA DE PRESENTE.

(O presente tem que estar morno... quase frio. Caso contrário a receita vai desandar. Uma boa confusão precisa de um presente meio insosso. Esses são os melhores. É difícil encontrar, mas quando a gente acha é melhor comprar de baciada. Aí você congela e vai usando o presente frio aos poucos.)

02 COLHERES DE SOBREMESA DE FUTURO INCERTO.

(Não exagere na medida. Futuro incerto demais pode fazer a receita passar do ponto. Aí a confusão vira desespero. Por isso muito cuidado com esse ingrediente.)

01 PITADA DE MEDO.

(Cada um sabe a quantidade de medo que mais gosta. É bom não exagerar. Porque o medo é um tempero forte e pode acabar tirando o gosto dos outros ingredientes.)

01 COLHER DE PREGUIÇA.

(Fundamental para dar liga à receita.)

01 COLHER DE SOPA DE RASPAS DE EXPECTATIVAS.

(O toque de mestre para se fazer uma boa confusão. Daquelas que só a vovó sabe fazer. A minha fazia uma confusão melhor do que ninguém. A expectativa é responsável por aquele gostinho de quero mais. E aí a gente nunca fica só em um pedaço. Sempre quer comer um pouco mais.)

MODO DE PREPARO
Fazer uma confusão é muito fácil. Pegue todos esses ingredientes e misture tudo. A massa precisa ser muito bem sovada. Bata bem, mas bem mesmo. Até ter aquela sensação de dor por todo o corpo. Se a massa ainda estiver grudando adicione um pouco de lágrimas. São ótimas para desprender os ingredientes das mãos. Complete com pitadas de açúcar para melhorar o gosto amargo que fica depois. Leve ao forno. Quente como o inferno. E deixe por uns vinte minutos. Espere. Espere. Espere. Essa é a melhor parte da receita. Esperar.
Retire do forno e deixe esfriar.
Esta receita rende uma porção.
Não se preocupe. Confusão não engorda.
Bom apetite!!!!!!

02 dezembro 2008

Despedida...

Deixei o chaveiro em forma de tigre pendurado na caixa de energia.
Desde o início ele ficou ali para proteger a casa.
Para proteger a gente.
O ‘tigrinho’ estava de olho em tudo.
Achei melhor deixá-lo aí.
E dizer até logo.