20 agosto 2009

I – N – T – E – I – R - O

Cheguei em casa ontem, tomado por tantos sentimentos ruins.
Uma multidão de pensamentos desagradáveis fazia uma festa escandalosa dentro de mim. Era pra ser uma noite amargamente desagradável. Tantas frustrações. Tantos desejos mal resolvidos e interrompidos no meio do caminho. Era uma noite pela metade... Uma noite de quase. Quase conseguir. Quase alcançar... Quase ser...
Estava caminhando para um daqueles dias tenebrosos.
Dentro de mim, tantas perguntas... Sem respostas possíveis...
Pelo menos, respondidas com clareza o suficiente para silenciar tantos barulhos...
E um grito abafado veio de dentro do armário.
Tive medo.
Alguém estava escondido dentro do meu armário. E gritava tanto.
Um grito agudo.
Desesperado.
Caminhei lentamente. Pé a pé... Coração a mil. Mãos geladas... Medo de descobrir o que se escondia na escuridão do meu armário.
Num gesto só...
Rápido...
Ligeiro...
A porta foi aberta...
Uma pequena mão surgiu no meio da escuridão.
Branquinha.
Gordinha.
Era uma criança. Aos gritos. Aos berros. Uma voz aguda... Gutural...
Aos poucos a tomei nos braços. Olhos grandes de medo. Sobrancelhas grossas. Corpo redondo. Os gritos – palavras diversas – chamaram a minha atenção.
Não eram de dor. Era uma criança como outra qualquer. Agitada. E que gritava para me manter olhando para ela o tempo todo.
A coloquei sentada no sofá. Dei a ela um copo de leite.
Era um menino.
Tão cheio de vida. Tão cheio de esperança. Tão cheio de futuro. Lábios grandes. Mãos agitadas. Olhos ávidos. Que vasculharam a minha casa em questão de segundos.
Tentei acalmá-lo.
Uma noite fria demais para uma criança. Ficamos parados nos olhando... durante um tempo...
Um longo tempo.
Olhos castanhos... claros. Sinais de futuros pêlos no rostinho redondo.
E o silêncio foi tomando conta do lugar...
Algo esbarra na mesa da sala. Uma mesa de canto, de vidro, ao lado do sofá cama. A vela sobre a mesa balança... Numa noite de tantas visitas, mais uma, não me assustaria.
Um jovem se escondia no canto da sala.
Ao lado do abajur sanfona...
Um jovem mudo...
Magro...
Muito magro.
Olhos fundos.
Silencioso. Escondido no canto da minha sala.
Agachado... Braços entrelaçados às pernas. Cabeça sobre os joelhos.
Toquei no seu cabelo grande e fino...
Com medo...
Levemente ele foi levantando a cabeça. Os mesmos olhos grandes assustados... Sobrancelhas grossas. Dono de um silêncio profundo.
Ele era mudo.
Estendi a mão para que saísse daquele canto frio. E descobri que o jovem que vivia no canto da minha sala não tinha mãos. Os braços simplesmente terminavam...
...e pronto.
Pescoço longo... Barba por fazer...
E mudo.
O ajudei a sair daquele canto.
Sentamos no sofá... ele me mostrou marcas no pescoço e no corpo... Uma espécie de coleira. Que durante anos passou agarrada ao pescoço fino. Costas marcadas pelas chicotadas. Corpo curvado. Olhos com medo de ver o que havia ao redor.
Ele esteve preso. Perdeu a fala.
Perdeu o brilho dos olhos.
E se escondeu pelos cantos.
Uma pele pálida. Ressecada. Maltratada.
E uma lágrima escorreu pelo rosto redondo... pelo meu rosto redondo e pelo rosto infantil...
Passamos boa parte da noite nos olhando. Nos reconhecendo.
Ontem fui tomado por sentimentos tão negativos.
E, quando cheguei em casa, recebi visitas tão ilustres. Desta vez podia acolher meus convidados. Os expulsei durante tanto tempo... E ontem, durante uma noite fria... pude recebê-los...
Mais uma vez a casa da luz vermelha cumpriu o seu papel...
Estava quente, limpa e organizada para receber personagens tão especiais.
Uma criança, um jovem e agora um homem...
Dividimos a mesma cama. Tantas vezes barulhenta e em vários momentos tão silenciosa. Infelizmente não posso fazer muito mais por eles. Mas acho que eles acabaram entendendo que ainda podem fazer muito por mim.
Foi uma noite tão silenciosa, na casa mais barulhenta que já conheci.
Foi uma noite tão serena, na casa mais conturbada que já habitei...
Foi uma noite inteira...

18 agosto 2009

UM BELO E ESTRANHO BOM DIA...

Acordei abraçado pela emoção.
Um abraço tão apertado que cheguei a estranhar a força que isso pode ter quando se enrosca à gente. A emoção me pegou logo de manhã.
Tinha cheiro de dormido...
Música de fundo e uma força que não te deixa sair da cama.
E quando somos entrelaçados pela emoção tudo pode acontecer.
Oscilar entre o bom e o ruim em questão de segundos.
Entre o feliz e o infeliz de um instante ao outro.
A união e a ruptura.
A emoção me pegou hoje de manhã e não me dei por rogado. Fui logo traçando a emoção... Cada centímetro. Estava com medo. Não é nada fácil lidar com a emoção. Ainda mais quando você amanhece tomado por ela. Enroscado a ela. Por alguns instantes estive tão longe dali...
E tão perto.
Abraçado a emoção fiz um passeio por alguns momentos. Alguns marcantes e outros não tão marcantes assim.
Barriga vazia, bexiga cheia...
Mas a emoção insistia em me manter na cama... É assim quando ela te agarra. A saída é se deixar envolver. É aproveitar até que o relógio desperte novamente:
“acorda, plegricinha!!!!! Acorda plegricinha!!!!”
Sol barrado na janela. Assim tenho a sensação de que mando no dia, no tempo. Que só invade o quarto quando eu autorizo. E só assim meu dia começa.
Um Cd inteiro. Eu e a emoção.
Atrelados...
Respiração amanhecida.
Cabelos arrepiados...
Pele amassada...
Marca de lençol pelo corpo.
Abraço de travesseiro.
Acordei abraçado pela emoção. E me permiti continuar assim até o fim da manhã. uma tentativa de desvendar seus pequenos segredos... A emoção tinha cara de mistério...
O sol que invadiu o quarto já se foi faz tempo. Mas ainda fecho os olhos e sinto o frescor dessa manhã.
Um pouco da emoção que ficou presa ao meu corpo...

04 agosto 2009

Meio Manga...

Meus pais voltaram pra Goiânia hoje. Como sempre, foram embora deixando um rastro difícil de apagar... minha casa está "um brinco" como diz a dona Dilza... O vazamento do banheiro foi corajosamente combatido pelo valente seu Osmar. "Agora não precisa ter medo de soltar a descarga, meu filho." Passamos uma noite juntos, na casa da luz vermelha. A Consolação nos brindou com uma noite bem barulhenta, mas eu estava protegido... Sentado no sofá entre meu pai e minha mãe... Pés estendidos no puf... creme amaciando um pouco a dureza da pele e da vida.
Novos quadros na parede...
Comida nova na geladeira...
E aquela velha sensação de que eles são a coisa mais importante e confortante que já experimentei...
Eles voltaram para casa hoje, e deixaram um rastro que, em força, só perde para a minha saudade...