17 fevereiro 2009

Aperte a campainha para entrar

São Paulo, 17 de Fevereiro de 2009.
02h14min da manhã.
Lamento informar, mas Poliana está morta.

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Era uma porta sem cor definida. Alumínio talvez. Um vidro fosco. Era impossível enxergar o que havia do outro lado. Ao se aproximar Poliana ouvia apenas sussurros.
Seria esse o caminho certo?
Era essa a porta que ela deveria abrir?
Para onde Poliana estaria seguindo?
No reflexo embaçado da velha porta misteriosa Poliana pôde ver, bem atrás de si, um elevador. Três pessoas bem vestidas esperavam para subir. Poliana não conseguia ver os rostos. Eram imagens embaçadas pelo reflexo. Pela sujeira do tempo na porta que ela insistia em não querer abrir.

- Será que esse não é o melhor caminho a seguir? Pensou por um instante a nossa heroína.

Mas o som que vinha por trás do vidro velho e fosco era familiar. Lentamente a porta foi aberta. Aos poucos o som foi se definindo. Meia luz... Meia música... Meia lua... Cadeiras dispostas em meia lua. E lá estavam os primeiros mortos vivos da noite. Poliana ficou tensa. Caminhava lentamente em direção ao que pra ela eram fantasmas. Lembranças coloridas de vidas passadas. A mesa farta. Bebida gelada. Aos poucos ela foi se sentindo acolhida. Todos os fantasmas estavam lá. Alguns mais vivos do que nunca. Outros na etérea lembrança confusa de Poliana. Cada detalhe foi observado:
O vestido cor de rosa...
O som antigo no canto da sala...
O banheiro feminino era engraçado. Faltava a sílaba ‘ni’... Era um pedaço de escrita perdida numa porta branca. Femi’ ‘ no.
Olho de sogra e também olho de genro.
Todos estavam remodelados. E aos poucos Poliana começou a se sentir em casa. Mas um detalhe a incomodava muito: o calor. Um calor insuportável. Foi quando Poliana percebeu que precisava de um pouco de ar. Procurou portas e janelas. Tudo havia desaparecido. Era impossível respirar. Todos estavam presos naquela sala. Aos poucos o espaço foi diminuindo. Poliana precisava de ar. Precisava respirar.

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Poliana está ao ar livre. Finalmente. Estava de volta ao mundo. Suas luzes, janelas acesas, vozes, murmúrios. Poliana respirou profundamente. Fechou os olhos. Sentiu o vento fresco da noite. Perdeu a noção do tempo. Até que abriu os olhos e descobriu que estava presa entre grades e concreto. Não havia saída.
Aos poucos Poliana recobrou a consciência. E uma velha música chamou a sua atenção para o interior da sala.
‘Ô abre alas que eu quero passar. Ô abre alas que eu quero passar...’
Uma marchinha de carnaval alcançou os ouvidos de nossa heroína. Era uma festa de comemoração. Confetes e serpentinas. Poliana sentiu o gosto dos confetes em sua língua inchada e seca. Um trenzinho medonho se formou. Era o fim de Poliana.

- Enterrem os mortos vivos! Gritou ela desesperada.

Poliana precisava fugir daquele lugar. Recolheu um pouco de serpentina do chão, se disfarçou e saiu em disparada. Era o fim de Poliana. Ela estava ofegante. A noite estava quente. Pouca luz. Poucas estrelas.
Poliana caiu na escuridão. Era o começo da sua Odisséia particular.

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“Aperte a campainha para entrar.”

Era o que estava escrito na imensa porta de madeira negra. Era o único caminho. Poliana se entregou a escuridão absoluta. Estava exausta, meio tonta... (Ainda ouvia o Ô abre alas que eu quero passar... Ô abre alas...). O cheiro daquele lugar a incomodou. Pouca luz... E vultos por todos os lados.
Poliana havia feito a passagem. Estava perdida. Poliana, seus conceitos de moral, toda a sua existência, todos os seus desejos e todos os seus medos. Quanto percebeu Poliana estava praticamente nua numa escuridão total. Corredores estreitos, cheiro forte, calor infernal, gemidos por todos os cantos.
Poliana estava morta. Pela primeira vez lhe veio essa estranha sensação. Poliana estava morta. Definitivamente morta. Mortinha da Silva.
Nesse lugar não há nomes. Os corredores são cada vez mais estreitos. Poliana está sufocada. Ela se sente vigiada todo o tempo. Observada por olhos invisíveis. Mas a escuridão não permite que ela defina quem ou o quê a está observando. É uma longa caminhada em círculos.
Finalmente uma escada. Poliana quer escapar daquele submundo. Sobe os degraus em direção ao fundo. Um fundo de uma escuridão ainda mais profunda. Nossa heroína está fraca, tonta. Nessa hora confia apenas em seu instinto. Tola Poliana. Está cega pela escuridão. Cada vez mais tonta, mais cercada, mais sufocada, indignada, arrepiada, aliviada. Poliana descobre que não está mais só. E se entrega num gesto desesperado.

- O que estou procurando, pensa silenciosamente Poliana.

Pobre Poliana. Não faz idéia de como a usam nesse momento. Ela está cada vez mais fraca. Indefesa. Tonta.

- Que nada! Exclama Poliana depois de um longo suspiro.

Nossa heroína está cada vez mais ávida pela escuridão. Agora o cheiro forte a estimula. O corpo transpira. A respiração é ofegante. Poliana não resiste e se entrega a escuridão.

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Poliana abre os olhos. Ouve ao longe um barulho. Sente um peso no braço direito. Ela foi algemada. Marcada como todos naquele estranho lugar. Poliana tem um número gravado numa pequena chave. 427. Agora ela caminha por um corredor sujo, obscuro, mal cheiroso. Piso negro. Paredes vermelhas. Um longo corredor. Um longo corredor cheio de portas. Uma delas pertence à Poliana. A de número 427. Ela precisa chegar até lá. Só assim estará em segurança. As mãos trêmulas e suadas tateiam as paredes. Os espelhos confundem os mais inocentes. Poliana não consegue ver o próprio rosto. Não consegue olhar os próprios olhos.

- Não tenho mais reflexo! Lamenta.

- Estou invisível.


Ela para por um pequeno instante. No silêncio, na escuridão, na bestialidade da sua Odisséia pessoal. Poliana não sabe mais se quer seguir em frente. Abrir a porta. Descobrir o que existe dentro do 427. Ela pensa em desistir. Pernas fracas. Mente fraca. Corpo lento. Coração a mil. Pecado demais para uma ‘quase santa’. Pobre Poliana. Não havia espaço para o pecado. Não havia espaço para o pensamento. E Poliana pensou. No corredor longo e escuro Poliana pensou. Encostou-se na parede e pensou. Num piscar de olhos estava dentro do 472.
Claustrofóbico.

- Clausura. Pensou Poliana.

Onde estaria a imagem da Santíssima Trindade? Não adiantava procurar. Ninguém poderia mais salvá-la. Poliana tinha as chaves e por vontade própria abriu as portas da sua clausura. Estava exausta. O suor colava no corpo frágil. Por um instante o medo tomou conta dela.

- O que fazer agora? Perguntou a si mesma enquanto forçava as vistas para conseguir enxergar as paredes.

Poliana respirou fundo. E teve o corpo invadido por aquele odor rasgante. Uma gota de suor escorreu pelos lábios. Tinha um gosto ácido. Um movimento breve com a língua. Poliana estava excitada. A respiração ofegante. Só. Trancada na clausura. Sem a Trindade. Por um instante Poliana se sentiu livre. Como nunca havia se sentido antes. Passou a mão pelo suor da testa, dos seios e levou até o sexo. Estava quente. Precisava de água. Quem sabe de um pouco mais de ar. A hóspede do 427 se rendeu a festa. Em pânico se rendeu a festa. E voltou aos corredores.

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- De onde você surgiu? Pergunta um senhor alto encostado na parede.

- Do mundo. Responde Poliana com uma voz trêmula.

- Não vamos falar de amenidades.

- Eu sei o que você quer... Disse o homem segurando firme o fino e delicado ombro da nossa heroína.

- Espero mesmo que saiba.

- Então me diga o que você quer de um homem velho e feio?

- Velho e feio?! Estranhou Poliana.


Ele poderia ser tudo. Menos um homem velho e feio.

- Não sei. Nunca soube. Respondeu ela. E se entregou ao silêncio.

Poliana estava presa. Não conseguia mais se mover. Mãos e pernas entrelaçadas. Olhares colados. Um quase beijo de cílios. Por um tempo Poliana se entregou. E de repente se deu conta. Estava na cama com o diabo. Um diabo grego. Ele lhe oferecia sexo, prazer, luxúria. E ela desejava um pouco de romance. Mas Poliana estava morta. E não existem romances depois da morte.
Tola menina moribunda.

- Então vamos embora daqui!
- Então vá embora daqui!


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Poliana está de volta à clausura. Inconformada com o contato que teve com o próprio demônio. Aquele rosto quadrado. Aquele cabelo grisalho. O diabo tinha dentes tortos. E desejava um pouco de sexo... E também romance...
Mas Poliana pensou. Naquele momento Poliana pensou e foi lançada para a clausura. E como em toda Odisséia ela começou o seu caminho de volta pra casa. Entre lixos e baratas ela foi se aproximando do que preferiu chamar de Paraíso. Redenção. Ela estava exausta. Cansada. Um cheiro de mal impregnado no corpo.
Poliana está nua em casa. Voltou a ter reflexo. Conseguia ver os seus olhos no espelho. Estavam vermelhos. Moldados por uma olheira escura e profunda.
Louca por um banho.
Louca pelo silêncio.
Três passos até o chuveiro. E antes de fechar a cortina uma última olhada no reflexo. No meio do caminho Poliana vê, caído no chão, solto no azulejo branco, um pequeno pedaço de papel.
Um confete...
Verde... Úmido de suor...
Provavelmente ficou colado em seu corpo durante toda a noite.
Nossa heroína sentiu cumplicidade.
Eu estou viva! Pensou Poliana.
Eu estou viva!

07 fevereiro 2009

Hoje eu acordei pensativo. Será que alguns finais não poderiam ser diferentes? O que teria sido do Fantasma da Ópera se a diva tivesse decidido ficar com ele?

Também não sei... Só sei que me deu vontade de questionar.
Também acordei pensando em outra trilha sonora...

What a happens now?
Don´t ask anymore

03 fevereiro 2009

Teoria do lápis branco



Todo mundo nasce portando uma caixa de lápis de cor.
Seja ela do tamanho que for: de seis...
Doze...
Vinte e quatro...
Trinta e seis.
Aquelas que montam e desmontam.
Que possuem todas as cores imagináveis.
Não interessa.
O importante é que todos nós nascemos donos de uma caixa de lápis de cor.
E mais importante ainda é que essas caixas sempre vão do branco ao preto.
Ao longo do tempo usamos essa caixa de várias formas. Aprendemos a dar cores aos momentos especiais.
Em dias nublados, podemos deixar nosso céu mais azul.
Na seca, folhas ganham cores diferentes.
Cada um usa o lápis como quiser.
Só quando ficamos mais velhos... e o nosso coração alcança o vermelho intenso... é que descobrimos a verdadeira utilidade da caixa de lápis de cor.
A caixa representa o amor.
E cada lápis uma oportunidade de amar.
E assim vamos do branco ao preto.
Por isso o primeiro amor é sempre o mais puro...
O mais gostoso.
Cheio de novidades.
Repleto de descobertas.
É para o primeiro amor que entregamos o primeiro lápis da caixa: o lápis branco.
É quando tudo parece que será eterno.
E para algumas pessoas é mesmo.
É quando nada é mais colorido do que amar quem recebeu de nossas mãos o primeiro lápis da caixa repleta de cores.
O branco é a mistura de todas as cores.
É a explosão máxima de todas elas.
Girando... enlouquecidamente...
Tão quentes que se misturam e se transformam numa paz celestial.
O lápis branco é o mais puro de todos os amores. É a primeira experiência de desprendimento. Do ato de entregar a alguém o que de mais precioso podemos possuir.
O lápis branco, assim como o primeiro amor, é o mais difícil de esquecer. Quando ele acaba é como se o mundo caísse em uma escuridão absoluta.
Sem luz,
sem cores,
sem vida.
Seco.
Nublado.
E tudo ao seu tempo...
Até que num belo dia, achamos no fundo da gaveta, a velha caixa de lápis coloridos. E para a nossa surpresa ainda recheada de outras opções de cores.
Do amarelinho ao vermelho intenso.
Do verde água ao roxo,
ao lilás,
ao musgo.
Azul claro, céu, turquesa...
O lápis branco não existe mais. Foi entregue a alguém especial. Mas ainda existem outras possibilidades...
Que a seu tempo irão colorir outras páginas...
Mais maduras...
É assim no mundo das cores.
Pense bem... Com quem está o seu lápis branco?
Quantos lápis você já entregou ao longo da vida?
E não se esqueça:
Uma grande obra de arte é fruto de uma grande inspiração...

02 fevereiro 2009

Sun, Green, Blues and Brown

Sábado fomos ao parque da Aclimação, em São Paulo. Minha primeira vez. É isso mesmo. Quatro anos nessa cidade e ainda tenho meus momentos de primeira vez.
O dia não poderia ser melhor.
Um sol de fazer inveja.
Um parque verde de fazer inveja.
Pessoas lindas de fazer inveja caminhando acompanhadas dos seus pets de fazer inveja.
Para fechar um show de Gary Brown.
Confesso: nunca arrepiei tanto na minha vida.
Aquela voz rouca,
aquele saxofone,
aquela guitarra.
Fiquei maravilhado. Aliás, ficamos maravilhados com aquilo tudo.
Resolvi dividir um pouco com vocês:

O primeiro vídeo é da apresentação no Parque da Aclimação.

O segundo é ele se apresentando num lugar chamado Bourbon Street.

Não tinha razão?
O próximo passo é comprar um CD ou DVD dele. Se alguém souber onde posso encontrar me avisem.