18 fevereiro 2010

ARANHA VOADORA.

Dê a ela uma fagulha, uma fagulha que seja, e ela será capaz de transformá-la em um imenso incêndio.
Dê a ela uma faísca, uma mínima faísca, e ela será capaz de devolver-lhe um choque de centenas de volts.
Dê uma migalha, e terá de volta um banquete.
Uma gota, e terá um rio.
Dê a ela, uma lágrima, uma pequena e sincera lágrima, e você terá de volta o mar inteiro. Uma imensidão de sensações.
Dê a ela um pouco de tempo, e terá uma eternidade.
Um pouco de sono e descobrirá a definição certeira do estado de coma.
Um fio de cabelo lhe trará de volta uma tese complexa sobre a origem da música sertaneja.
Cuidado com aranhas voadoras. Elas tecem suas teias no ar.
Não se sustentam em nada. Não se prendem em nada. Flutuam desenhando suas trilhas.
Dê a ela uma linha e terá o carretel inteiro.
Desenrolado.
Cheio de nós meticulosamente elaborados.
Dê a ela um motivo, um pensamento que seja. Uma nesga de possibilidade. E ela será capaz de construir uma obra de arte.
Aranhas voadoras são tecelãs por natureza.
Crescem em emaranhados de teias.
Este é o seu lar. Seu habitat natural.
Desfilam com maestria por esse terreno. Não nasceram para rastejar pelo chão.
São leves demais para manter o peso que se precisa ter para viver aqui embaixo.
Aranhas voadoras voam mesmo sem asas.
Ficam à espreita do vento.
Finas, delicadas. Carregadas pelo vento.
Não são aranhas comuns. Não nascem em bandos. Não crescem ao lado de outras aranhas. Não comem seus amantes.
Raramente têm amantes.
O vento, seu principal aliado, também é o seu maior inimigo. Não as deixam ficar muito tempo num mesmo lugar.
Ninguém sabe dizer quanto tempo uma aranha voadora consegue viver.
Elas sempre desaparecem antes que isso aconteça.
Dizem por aí que se enrolam na própria teia. Até sumirem. Sufocam-se lentamente. Enrolam-se no fio dourado da vida. E desaparecem.
Elegantes, como uma aranha deve ser.
Discreta, como os que detêm a leveza de poder voar.
Dê as aranhas voadoras um segundo, e terão horas de entretenimento.
Uma segunda chance, e não perderão mais chance alguma.
Olhem para ela uma única vez... E jamais se sentirão sozinhos novamente.
Até o dia em que o vento chegar mais forte.
Dizem que só os fortes são capazes de amar aranhas voadoras.
Fortes para brigar contra o vento...
Para arrebentar as teias da vida...
E se arriscar na vida longe da terra.

10 fevereiro 2010

05...10...15...20...25...30...35...

Aos 05 – Ganhei uma estrelinha por ser o melhor aluno na escola.

Aos 10 – Descobri que tinha ereção. E que esse “fenômeno” da natureza me acompanharia para o resto da vida... A primeira pessoa que ficou sabendo foi a minha mãe. Contei pra ela durante o banho. Achei que era um problema... Só depois descobri que era a solução...

Aos 15 – Não tive festa de debutante. E descobri que existiam dois mundos bem definidos. Os meninos e as meninas. E que os sonhos deveriam ser diferentes. Um azul e outro rosa... Surgiram as festas de 15 anos. Música lenta. As primeiras ressacas. E o desejo de ter dezoito anos.

Aos 20 – O primeiro grande amor. E aquela sensação de que isso iria me perseguir pelo resto da vida. A primeira grande dor de amor veio também aos vinte. E aquela sensação de que era preciso esperar mais um pouco. E um dia sentir saudade dos dezoito anos.

Aos 25 – A responsabilidade. Hehehehehehehehehehehehehe. Aquilo que a gente acha que é responsabilidade. Salário. As contas a pagar. O carro. Coisas da vida. Achei que seria rico. Tudo me levava a crer que eu seria rico.

Aos 30 – Fui testemunha de que existe a crise dos 30. Com todos os seus requintes. Mudanças. E a felicidade de descobrir que as coisas podem ser modificadas quando a gente sentir vontade e tiver coragem.

E agora os 35 – Veio aquela estranha sensação de que não se pode resumir esse tempo todo em apenas sete momentos importantes. Número cabalístico. Estou aqui, há trinta e cinco anos. E experimentei trinta e cinco vezes a experiência do nascimento. Parido. Expulso para este mundinho de meu Deus. Caminhando para a meia idade. Para o máximo que meu corpo poderá me dar. Meu melhor esperma... Meu melhor estado físico. Meu melhor poder sexual. Sou um animal na plenitude... No alto da colina. Juba vistosa. Dentes afiados. Olfato impecável. Músculos enrijecidos. Olhando a relva. A selva. O mundo ao meu redor. E, no fundo sabendo que cada descoberta é a despedida. Em breve outro animal chegará. Mais peludo, mais forte, mais animal... E essa trajetória iniciará outro caminho.
E fico aqui me perguntando:
Este será só mais um dia?
Comum para uma centena de pessoas?
Mas, para algumas (assim como eu) este será um dia diferente. Aquelas coisas sociais que a gente cresce acostumado a seguir. Cumprimentos de feliz aniversário. Desejos de felicidades. Essas coisas. Na verdade queria que o aniversário fosse um evento. A meia noite, o aniversariante mudaria de cor. Eu queria ficar azul. Assim, todo mundo saberia que é o meu aniversário. Não haveria desculpas para o esquecimento. E os estranhos teriam a oportunidade de nos parabenizar. Daqui há quinze minutos – a meia noite – eu ficaria azul. E passaria dessa cor, até a meia noite do dia 11. Esse seria o meu dia. Andaria pela Paulista azul de aniversário. No metrô, as pessoas me dariam parabéns. Porque estou azul. E ainda correria o risco de encontrar alguém verde. E parabenizar um estranho que faz aniversário no mesmo dia que eu.
Porque restringir o meu aniversário a mim somente?
“Quem sabe então assim, você repare em mim..." diz a música que vem do som na minha sala.
Vamos liberar a festa para a coletividade. Hoje, meu desejo de aniversário é amanhecer azul... Inteiro. Dos pés à cabeça... Até pensei na roupa certa para o trabalho. Um básico. Azul. Seria uma pessoa azul andando pela rua. Ninguém, precisaria ter o número do meu telefone para descobrir que hoje é o meu aniversário. Ninguém também teria que se preocupar em lembrar o aniversário do melhor amigo. A gente acordaria colorido... e pronto.
Meia noite...
Ainda estou vestido a cor da pele.
Não fiquei azul.
Mas decidi o que fazer...
“Vou deixar a rua me levar... ver a cidade se acender...”
Lá se vai a camisa... No chão da cozinha. Sinto a pouca brisa de um dia quente de verão. Um dia quente de aquecimento global.
Adeus sapatos e meias. E consigo sentir o frio do piso da cozinha. Um certo arrepio da aventura de me despir.
Não quero mais o relógio. Objeto cheio de história. Ganhei-o em meados de 1997... Tentei afogá-lo no mar, no Rio, o de Janeiro. E meu pai, anos depois, o salvou da gaveta. Trocou a bateria. E descobri que as coisas a prova d água existem... A prova do tempo também.
O jeans foi embora em frente a geladeira. Sentir o frio nas minhas pernas. Mãos frias segurando a lata. E seguimos o nosso destino. Copo cheio. Gole perfeito. Música ideal... O primeiro telefonema... Parabéns pelos trinta e cinco. De quem ama demais ao ponto de se manter acordado para te agraciar...
E lá se vai a cueca.
Estou nu nos meus primeiros instantes de vida... Mais uma vez. Nu.
E a liberdade toma conta de mim. O frio do encosto da cadeira... O vento no rosto. E aí me vejo bruxo e predigo: meus 35 serão livres...
Serei um ser azul...
andando pela Paulista...
Nu... ouvindo as músicas que me agradam... E aí poderei dizer:
O que você fez aos trinta e cinco?
Eu sei o que eu fiz no primeiro dia dos 35...
Fiquei livre... em pêlo.
Pelo menos...