28 janeiro 2010

No silêncio das letras.

Precisava de uma página em branco.
Uma noite limpa. Sem que nada tivesse sido escrito nela antes.
E a partir daí sair rabiscando minhas impressões nessa misteriosa teia de observações.
Com tanto medo. E ao mesmo tempo, sem medo de aparecer. E enquanto rabisco meus traços tortos e rudimentares vejo o que é tão claro.
Aquilo que é sempre escondido.
Escondidinho.
Não nasci para aqueles que apontam. Infelizmente. Não nasci para aqueles que me tocam com suas mãos frias e suadas de medo.
Às vezes acho que ainda não nasci. Quando penso que estou voltando é quando mais caminho adiante. E seguir em frente dá um medo. E esse medo vai estar comigo pra sempre.
Medo bobo de criança...
de jovem...
de adulto.
É como esquecer de pagar uma conta que venceu. Ela te persegue. Você acorda no meio da noite e lembra que deixou de pagar a conta. Perde o sono. É tarde demais.
E de repente somos perseguidos. E damos voltas. Piruetas para despistar o destino. Destino?
Sera?
Não.
Ninguém despista o destino. A gente enrola a vida. E enrolar é comigo mesmo. É uma delícia. Dá um prazer dizer mais do que o necessário. Perder tempo, linhas, toques e palavras. Esbanjar sentidos e significados. Enquanto o objetivo final está ali. Estirado a nossa frente.
Existem dias em que os dias parecem os últimos. E depois deles não haverá nenhum outro. E quando isso acontece a gente deixa de ser humano. Passa a ser animal. Irracional. E come o alimento do outro. Arranca a comida do próximo. Sem dó. Precisamos sobreviver. E quando me roubam a comida... aquela que pedi com cuidado. Ou plantei com esmero. Eu apenas olho.
Olho.
Vejo a minha comida ir embora. Arrancada de minhas mãos. Fico complacente com os outros pobres ao meu redor.
Mas qual o limite da complacência?
Até que eu morra de fome?
Fraco?
Ou até que eu grite de raiva. Mesmo com a sensação de que ninguém irá me ouvir. Em alguns momentos consigo ver que os que me roubam sentem muito mais fome que eu. Estão muito mais esfomeados do que eu. São famintos e por isso me agridem. Assim como eu o faria.
E me impressiona como os famintos parecem fortes.
Me encanta a força que o instinto de sobrevivência imprime nas pessoas.
Pensei agora há pouco o que teria sido de mim se estivesse no Haiti. Sobrevivente do terremoto. Sem família, sem casa, sem comida. Vejo aquelas pessoas se amontoarem em filas, em conglomerados de pedintes, animais racionais irracionalmente enfileirados. Em busca de comida. E quando uma caixa aparece eles a disputam com tanta força. E aqui, sentado na minha cozinha, tenho a certeza que sentaria no chão e me arrependeria de estar vivo. E a tristeza toma conta de mim quando a constatação é simples. Fraco demais para uma luta.
Por favor, enviem mais comida aos desabrigados.
Não os obriguem a brigar entre si.
Ou deixar a irracionalidade ser a única saída racional.
Me lembro de um dia que estava sentado na calçada, na parada de ônibus, 12, 13 anos. Fui ameaçado por dois meninos mais velhos. Queriam me bater. Aquelas coisas de adolescência. Eu reagi – com tanto medo – e os mandei à merda. Eles voltaram e me bateram tanto. Na frente de todos que estavam naquela parada de ônibus.
Acho que naquele dia decidi que era mais seguro não enfrentar as pessoas.
Deixa... que uma hora elas vão cansar e vão embora.
É incrível como essa decisão virou regra na minha vida. E hoje, sentado na minha casa, ainda tento me despedir desses meninos. Acho que já chega. Vocês não fizeram por mal. Mas, agora preciso ir. Tento me desfazer da vergonha de apanhar em público e agir como se nada tivesse acontecido.
Tanto tempo depois ainda escolho os mesmos meninos para sentarem ao meu lado. Está na hora de mudar de acento.
Na minha profissão aprendi que os finais dos textos devem ser positivos. Pra cima. Devem levar uma mensagem. Nunca devemos terminar uma matéria com algo ruim. Esperança.
Temos que dar esperança para o telespectador.
Não consigo escrever o final.
Nem sei que final essa história merece ter.
Não sinto raiva de ninguém.
Só estou tentando entender e pedir um pouco de tempo.
Cheguem com calma, por favor.
Tenho medo de pessoas.
Porque delas me alimento.
E poque elas podem me matar de fome.

Um comentário:

Adrix disse...

...você tem fome de que, criatura?!!! Saudades e pode ir melhorando que o inferno astral tá passando...bjs